domingo, 20 de novembro de 2011

Do prof. dr. José Mário da Silva (UFCG-PB)

Cara escritora Arriete Vilela:
Como lhe disse, os alunos amaram o seu livro Fantasia e Avesso (...), que é um emblemático exemplo de um texto refinadíssimo do ponto de vista da poeticidade que o impregna e matiza.
Acertei em cheio na opção que fiz. Desde o primeiro contato com o texto, os alunos se encantaram. E a maioria está visitando o seu blog.
Como você me disse certa feita, para quem faz do ato/processo de escrever literatura a sua porção diária de sobrevivência estética, não pode haver prazer maior do que se dar conta de que as suas 'fantasias e os seus avessos" estão circulando, voando por todos os horizontes (im)possíveis da leitura.
Fico feliz por você. Fico feliz pela literatura qualificada que emerge da sua inteligência e sensibilidade tão criativas.
Abraços fraternos, querida escritora-amiga.

Fantasia e Avesso na Universidade Federal de Campina Grande, PB



De Fernando Pessoa

"Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração."

De Marcelle Marini

"O escritor, como o artesão, tece seu texto com imagens visíveis e intencionais, mas a trama desenha também uma imagem invisível e involuntária, uma imagem oculta no cruzamento dos fios, o segredo da obra (para seu autor e para seus leitores). Armadilha para a interpretação, pois essa imagem está em toda parte e em nenhum lugar: de fato, há uma multiplicidade de imagens possíveis, e o texto, aparentemente terminado, é, na leitura, ocasião de infinitas metamorfoses. Pode-se pensar também nos quadros ópticos, verdadeiras armadilhas para o olhar. A mesma quantidade de apelos ao imaginário, à palavra, à atividade do sujeito leitor ou espectador."

Enviado por Aline Arruda (UFCG - PB)

Faço parte desses alunos que estão estudando o livro Fantasia e Avesso, na Universidade Federal de Campina Grande.
Estou adorando a obra, com todo o seu encantamento, idas e vindas, palavras que afagam e que machucam.
Só temos que agradecer ao Professor José Mário, por ter nos proporcionado conhecer esta produção intelectual tão profunda.
Com admiração,
Aline Arruda

domingo, 13 de novembro de 2011

Manias literárias

Raimundo Carrero, autor de O amor não tem bons sentimentos – “Só tenho um hábito quando escrevo: rezo. Como todo bom sertanejo, acredito no Espírito Santo e faço minhas orações. Em geral, não preciso de horários ou circunstâncias. É claro que costumo acordar muito cedo para escrever. E estou sempre fazendo alguma coisa. Ando com uma agenda onde faço anotações. Agora mesmo estou escrevendo um Diário da Criação onde informo tudo o que acontece comigo no plano literário: personagens, cenas, cenários, diálogos, e adianto as informações técnicas: por que uso um diálogo direto ou indireto, qual a necessidade de uma cena – rapidez – ou de um cenário – lentidão. Explico a função e o efeito. Enfim, revelo as estratégias para escrever uma novela. Faço tudo com muitos detalhes. Prefiro acreditar no trabalho obstinado. Não conheço domingos, feriados ou dias santos: trabalho e trabalho e trabalho. Sempre.”

Fabrício Carpinejar, autor de Canalha! – “Não consigo escrever sem camisa. É como desrespeitar a imaginação. Eu me sinto travado. Meu melhor período é de manhã. Na tarde, leio outros livros. Na noite, reviso meus originais. Eu me sustento com café. Fico isolado no fundo do pátio, num bunker, artefando a linguagem. Sou disciplinado. Na hora de algum bloqueio, faço faxina da grossa, com detergente e enceradeira. Volto cansado ao computador, sem vontade de mentir. Rabisco caderninhos, mas são os apontamentos que nunca leio. Adivinho o que escrevi lá. Os filhos não me atrapalham, podem conversar e perguntar que mantenho a costura da pele.”

João Gilberto Noll, autor de Acenos e afagos – “Gosto de escrever de manhã cedo. Me parece que é meu melhor impulso venha desse horário. É a cabeça mais vazia, muito mais propícia para um arranque em direção a um certo inconsciente.”

Marcelino Freire, autor de Rasif – “Não tenho hora para escrever. Sempre estou atrasado. Paro em frente ao computador só quando a frase não pode mais esperar. Guardo a coisa até estourar. Algo que ouvi na rua, algum som que catei na TV. A partir dessa primeira faísca é que vou contando/cantando a história, sem saber aonde ele vai dar, às cegas. Não acendo incensos. Para não afastar os fantasmas. Não posso ouvir música. Tenho de estar em silêncio. Todo concentrado para a palavra – uma vez que ela, repito, é o meu guia. Neste escuro, neste abismo e maravilha! Quando pego o ritmo, a voz do personagem. Quando sei que não mais o perderei de vista. Dou um breque. Uma paradinha e pego uma cerveja. Uma só, para não ficar bêbado. Não consigo escrever embriagado. Tudo em mim tem de estar ligado . Sóbrio e afinado. Para ouvir, sem intermediários e sem atrapalhos, o que eu tenho a dizer. Sempre cercado de dicionários. Palavras de todo tipo. Essa é minha ladainha. O resto, amigo, sai na purpurina. E tenho dito.”

Cem escritores brasileiros e suas manias quando escrevem
(Site do escritor Michel Laub)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Enviado por José Mário da Silva (Universidade Federal de Campina Grande)



Arriete, querida amiga:



gostaria que você soubesse que os meus alunos de Teoria do Texto Poético estão trabalhando com o seu livro Fantasia e Avesso. Eles estão simplesmente encantados, todos eles, sem exceção. Estamos lendo, aula após aula, cada uma das partes de que se compõe o seu belo livro.



Tem sido uma experiência maravilhosa com cada um deles fazendo observações muito pertinentes acerca do mundo poético, lírico, transgressor, fantástico e cheio de avessos, que você criou com tanta competência e sensibilidade.



A literatura, digo sempre aos meus alunos, é um sistema vivo e dinâmico, que abarca, transdialeticamente, todos os tempos do ser/fazer humano. Assim, nesse universo sistêmico tão amplo quanto sedutor, você já tem o seu nome incorporado, como uma escritora que faz da palavra (recorrentíssimo leitmotiv de Fantasia e Avesso), diria Machado de Assis, uma espécie de "segunda alma".



Abraços fraternos para você.



Do amigo e admirador.



José Mário da Silva

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Texto 5 - Arriete Vilela


– Vamos, menina.
– Pra onde, avó?


Penso eu, por acaso, que vai a avó se dignar a me dar uma resposta? Olhar-me – a mim, miúda flor, tímida, tão – e dizer dos nossos passos o rumo?
Da minha mão toma a avó, ergue a cabeça, mira o caminho. Particularmente feliz me sinto: à mão da avó agarrada, saber o destino já não quero, pouco me interessa aonde vamos.

A andar estamos. Casa após casa, vou vendo caras na janela, gente nova, gente velha, feia, bonita, de todo tipo. Vejo menino, cachorro, galinha. O verdureiro, o amolador de tesoura, o soldador de panelas, o homem do pirulito, dona fulana, seu sicrano, dona beltrana. Dar um bom-dia a avó não dá a ningém; dizer “Como vai?”, não diz. Mexer com a cabeça não mexe, não espia de lado, nem pra baixo, nem pra cima. Olha reto, as pernas passos ligeiros dão, decidida ela segue.
Sou contentamento: minha mão na mão da avó. Não importa o modo nervoso como quase me puxa, nem o aperto que vez ou outra sinto nos dedos. O passo da avó rápido é, e as minhas pernas de menina quase já não acompanham esse ritmo.
– Ainda está longe, avó?
– É bem ali.
– Meus pés estão doendo...
– Eles agüentam.

Quero parar. Faz um tempão que a gente anda. Quero que a avó pare, como a mãe,
numa casa e noutra, para eu ter tempo de no batente me sentar e aliviar os pés.
– Avó, não vamos parar?
– Só sabe reclamar, menina?
Reclamando não estou. Extenuada, isso sim. Cansada, muito, tão. A avó não presta atenção em mim, não tem pena do meu cansaço. Cruel está sendo, embora sem querer, eu sei, mas está. Tanta légua já, tanta casa, tanta rua, gente tanta, poste, porta, calçada alta, calçada baixa, meio-fio, rua de barro, isso assim, aquilo doutro jeito. Sinto que o prazer de estar agarrada à mão da avó extinguindo-se vai com o cansaço. Com as costas da mão esquerda, livro os olhos das gotas de suor que escorrem da testa.
Diminui o passo a avó. O rosto afogueado, suada também. Larga a minha mão, ajeita a trança presa no coque, enxuga o rosto com a barra da saia.
– Chegamos, avó?
– Chegamos.

É o cemitério. Ultrapasso o enorme portão preto de ferro e não sinto medo nem tristeza. Sinto um enorme alívio por ter, enfim, chegado a algum lugar.
– Que bom, avó...
Sento-me na beira de uma cova. As alpercatas desabotôo. Abano o rosto, respiro fundo. Olho o céu, e ele me parece bordado de amarelo: enfeitam-no os girassóis.
A avó se distancia. Que mortos ela tem pra chorar? Que almas lhe pedem reza? Vou vendo-a cada vez menor, entre uma cova e outra, passando ora por uma cruz, ora por uma placa de cimento.
Pequenininha, a avó, lá longe, no fundo do cemitério. Tenho sono, tanto, muito. Mal abro os olhos. Sequer tenho noção de abandono ou medo. Perco a avó de vista. Tudo é silencio.

Que segredos terá vindo a avó guardar no cemitério?






In: Grande baú, a infância