quarta-feira, 29 de junho de 2011

O que é ser jovem até o fim -- de Betty Milan



O que significa envelhecer? Ouso perguntar o significado do verbo, que a modernidade ocidental baniria da língua se pudesse. No primeiro sentido do dicionário, envelhecer é tornar-se velho. Leio e releio a frase, que me remete a um amigo de infância, Francisco, precocemente envelhecido. Continuo, no entanto sem resposta.
Volto ao dicionário. No segundo sentido, envelhecer é tomar aspecto de velho. Olho a foto do psicanalista francês Jacques Lacan que está na parede e observo seus cabelos brancos. Só que ele não se mostra envelhecido pelas suas cãs. A intensidade do seu olhar evidencia a juventude do homem – que permanecia jovem aos 74 anos, quando o conheci. Só bem depois ele perdeu o aspecto jovial.
Nos outros sentidos fornecidos pelo dicionário, também não encontro uma resposta satisfatória. No caso dos seres humanos, não se pode dizer que envelhecer é perder o viço. O homem não é um fruto. Tampouco não é um objeto.
A busca de uma definição precisa, por meio de língua, se revelou estéril. Olho de novo para a foto de Lacan e concluo que o envelhecimento físico, por si só, não é suficiente para caracterizar um velho. Eu me pergunto, então, por que ao contrário de Lacan, meu amigo Francisco envelheceu aos 60.
Citando – e comparando-se a – Pablo Picasso, o pintor espanhol, Lacan dizia que não procurava as suas ideias, simplesmente as achava. Um dia, declarou em um dos seus seminários: “Eu agora procuro e não acho”. Com essa frase, anunciou que a sua vida se apagava. Pouco depois, tomei o avião de volta para o Brasil. Naquele período, a única razão para eu ficar no França era a oportunidade de trabalhar com ele.
A juventude de Lacan, como a de Picasso, estava ligada à capacidade de se renovar através do trabalho. Duas vezes por mês, ele falava em público, para plateia de 1 000 pessoas, com ideias novas, uma atividade que demandava grande esforço. Mais de uma vez, encontrei-o exausto, em seu consultório.
Lacan foi um exemplo por nunca ter parado de começar. Embora fosse um intelectual, meu amigo Francisco acreditou que, a partir dos 60 anos, já não podia iniciar nada e, por esse motivo, não parou de se repetir. Não quis, inclusive, abrir mão de nenhum hábito da juventude.Continuava a comer, beber e fumar como aos 18. Lamentava o tempo que passava, porém não aceitava o fato traduzido nas mudanças do corpo e, assim, recusava-se a encontrar soluções para sua própria vida. Só sabia dizer: “Na minha idade é assim”. Foi vítima de uma fantasia arcaica sobre o tempo e viveu na contramão. Fazendo de conta que o tempo não existia. Morreu precocemente por não ter sido capaz de entender que, depois de deixar de ser natural, a juventude é uma conquista.


Betty Milan é psicanalista e escritora.

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