segunda-feira, 5 de agosto de 2013

Quem tem medo de Hilda Hilst?


Maria Carolina Maia
É sem meias palavras que Cristiano Diniz, organizador de Fico Besta quando me Entendem(Globo Livros, 236 páginas, 44,50 reais), seleção de vinte entrevistas dadas por Hilda Hilst ao longo da carreira, defende a escritora da fama de difícil e impenetrável que a envolve há décadas. “Difícil para quem? É claro que, se for alguém que só leia Sabrina ou algo parecido, vai achar Hilda difícil, como achará Clarice Lispector e Guimarães Rosa.”
Para Diniz, as entrevistas, agora selecionadas e reunidas em livro, são um bom caminho para desmitificar e perder o medo de Hilda Hilst. “No acervo de Hilda na Unicamp, há muitas cartas de leitores que apontam isso: começaram a consumir a poesia ou a prosa de ficção logo após ler uma entrevista da autora”, conta o organizador, que trabalhou no Cedae (Centro de Documentação Cultural “Alexandre Eulalio”), localizado no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp (Universidade de Campinas). “Ao se compreender parte de seu pensamento, podemos, sem dúvida, ler Hilda de maneira diferente.”
Se não desmitificam, as entrevistas atraem. Pintam o retrato de uma escritora corajosa e obstinada, que ainda jovem, na casa dos 30 anos, deixou a vida boêmia de São Paulo para viver em uma eterna residência literária no interior do estado. Ao lado do marido, Dante Casarini, Hilda se instalou em um sítio em Campinas, a Casa do Sol, onde passou a trabalhar diariamente em sua literatura. Também lia, e muito. Lia de tudo –- de ficção à física, que usou em experiências transcendentais com vozes que dizia de outro mundo, passando pela filosofia mais heavy metal.
Cristiano Diniz não conheceu Hilda pessoalmente, mas conheceu a imensa personagem que se ergue das mais de cem entrevistas dadas pela vida. E, claro, conheceu a sua obra, que, para ele, não está sendo redescoberta, como dizem. “A distribuição melhorou a partir de 2002, quando então Hilda se tornou mais popular”, diz ele. “Lá se vão, certamente, mais de dez anos. Já podemos deixar de falar em ‘fase’ e falar em permanência do interesse por sua literatura.”
Confira abaixo trechos do livro e cinco perguntas a Cristiano Diniz.

Hilda por Hilda

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Sobre a poesia feminina

A poetisa tomou um gole de uísque. Tomamos nossa água tônica e voltamos a assediá-la, agora a propósito da poesia feminina. Os poemas de Presságio, mesmo que não trouxessem o nome de quem os compôs, revelavam autoria feminina. Que achava a poetisa do assunto? Existe uma poesia feminina diferente da masculina?
HH: A poesia feminina existe, mas nem sempre é de autoria masculina... A ideia que tenho quando digo “poesia feminina” é de pieguice, porque as mulheres quase sempre são “derramadas” e de uma suavidade irritante quando escrevem poemas. Já a poesia de Cecília Meireles, por exemplo, não pode ser chamada de feminina, porque ela é forte e potente. Cecília nunca poderá ser chamada poetisa, mas sim poeta.
(entrevista de 1952 ao Jornal de Letras, do Rio de Janeiro)
 
Como foi a organização de Fico Besta quando me EntendemO primeiro passo (a pesquisa, o levantamento das entrevistas) foi relativamente curto porque, quando a editora Globo me convidou para fazer a seleção, eu organizava o acervo de Hilda Hilst no Cedae (Centro de Documentação Cultural “Alexandre Eulalio”), localizado no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp (Universidade de Campinas), e por fazer esse trabalho já tinha conhecimento de várias entrevistas da escritora. É claro que nem todas as entrevistas que ela deu estavam no Cedae e eu tive que fazer pesquisas em outros locais para preencher lacunas. Então, entre essa etapa e as leituras, releituras e anotações, em pouco mais de um ano a seleção estava feita. O critério foi reunir entrevistas que não se reduziam à publicidade de algum livro ou peça de teatro de Hilda. Em linhas gerais, o objetivo foi ter entrevistas que explorassem mais de perto a experiência pessoal da escritora, sua visão de mundo, da sociedade, da política, da literatura contemporânea e dos sujeitos que compõem essas esferas.
Hilda Hilst fala, em uma das entrevistas de Fico Besta, que escritores são diferentes, percebem e sentem coisas que os outros não sentem. Você concorda? Ou dizer isso era uma maneira de ela se valorizar nas entrevistas? Esta fala de Hilda mostra uma visão sobre o papel do escritor e, por extensão, da literatura. De qualquer maneira, diria que é o leitor que determina que um escritor possua uma percepção “diferente” dos demais. E aqui há um tema interessante para falar das entrevistas: não encontrei nenhuma que explorasse Hilda Hilst como leitora. É uma pena porque Hilda leu muitos autores interessantes de vários campos do conhecimento. É como se o estar diante de uma escritora anulasse o estar diante de uma leitora. É claro que Hilda se incluía entre os escritores “diferentes”, pois tinha muita clareza do que pretendia com a sua literatura, acho que as entrevistas mostram um pouco dessa face, no entanto, me parece que quando ela falava “que escritores são diferentes” era mais do ponto de vista de leitora do que qualquer outra coisa.
Hilda Hilst é mesmo uma autora difícil ou essa é uma imagem que ela criou para si?Acho que se há uma imagem que Hilda lutou para desfazer foi justamente a de ser uma escritora difícil. Mais uma vez, entramos no campo do leitor. Difícil para quem? É claro que, se for alguém que só leia Sabrina ou algo parecido com isso, vai achar Hilda difícil, como achará Clarice Lispector e Guimarães Rosa, por exemplo.
Em que medida ouvir Hilda falar de sua obra ajuda a compreendê-la (ou mitificá-la)?Acho que o conjunto de entrevistas ajuda a compreender o pensamento de Hilda, não sua literatura, pelo menos não de forma direta. Por outro lado, ao se compreender parte de seu pensamento, podemos, sem dúvida, ler Hilda de maneira diferente.
Se você pudesse entrevistar Hilda Hilst, que pergunta faria para ela? Como é a Hilda leitora?
A obra de Hilda Hilst vive uma fase de descoberta dentro e fora do Brasil? Em minha opinião, é uma “fase” que está durando bastante tempo. Certamente, mais de dez anos. Já podemos falar em permanência do interesse em torno de sua literatura. Relaciono-a com a mudança na divulgação da obra hilstiana realizada pela publicação das Obras Reunidas de Hilda Hilst pela editora Globo. O trabalho teve início em 2002, recolocando no mercado editorial títulos que eram verdadeiras raridades e os distribuindo de uma maneira que Hilda ainda não tinha visto. Foram seis anos de lançamentos para disponibilizar todo o conjunto. Durante esse processo, por exemplo, o interesse da crítica acadêmica aumentou vertiginosamente e assim continua, sem parar em nenhum momento nos últimos dez anos. Hoje, o número de teses, dissertações e monografias passa da casa dos 100. Até 2002, eram apenas 15 trabalhos. O número de peças adaptadas dos livros de Hilda também não parou. O livro A Obscena Senhora D acaba de ser traduzido para o inglês. Temos Fico Besta quando me Entendem divulgando uma Hilda que muitos dessa “fase de descoberta” ainda não conheciam. Um documentário em execução e um roteiro para um filme de ficção sobre ela em andamento. A inauguração do teatro no Instituto Hilda Hilst e o aumento do número de artistas residentes que tem passado por ali.
Por que, na sua opinião, Hilda Hilst foi descoberta tão tardiamente? Hilda sofreu com a distribuição de seus livros durante toda a vida. Talvez uma das raras exceções seja o volume publicado pela Editora Perspectiva em 1970: Fluxo-Floema. Depois de 2002, os livros de Hilda começaram a circular de uma maneira antes nunca vista.

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