quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Texto de Arriete Vilela

TEXTO 9

Meu limão, meu limoeiro, meu pé de jacarandá
Uma vez, tindô lêlê; outra vez, tindô lá lá...



De manhã, onze horas. A mais bonita hora. Suave, brilha a lagoa. Porque nela, contente, espalha-se o sol. Avizinham-se as baronesas, e apressadas, tão, como se atrasadas estivessem para a festa da natureza.
Sem rugas têm as pessoas a cara; hora certamente não é para as rusgas.
E da cozinha vem, do alho jogado no óleo quente, o cheiro. Prepara-se o almoço. Apetitosa hora.
Aí me chama a mãe:
– Vai na quitanda de dona Zinda e diz pra ela me mandar tomate e coentro.
– O dinheiro, mãe?
– Acerto depois.

Vou. De Dona Zinda a quitanda é na direção contrária à lagoa. Ao pé da ladeira.
Dou o recado da mãe.
– Espere um pouco, menina, vou apanhar.
Digo, antes que no quintal ela desapareça:
– E esse limão, dona Zinda, é pra vender?
– Sua mãe também quer limão?
– Não, eu que quero.
– Pra quê, menina?
– Pra brincar.
– Com limão, menina?
– É, a senhora me dá?
– Dou.
Noto um “dou” um tanto seco da mulher. Não importa. Deu, dado está.

Por uma porta estreita desaparece dona Zinda. Ao quintal vai. Do pé de tomate, tomates sadios colhe. Vermelhos, amadurecidos naturalmente. Se cedinho fosse, ainda os apanharia orvalhados. Do canteiro de coentro, um buquê. Perdão dizer buquê. Não que o coentro de dona Zinda não mereça, mas é pelo inusitado da coisa. Cheirosas folhinhas, verdes, da cor mesma das baronesas. Lindinhas.

Pois que chego a casa com os tomates, o coentro, o limão.
– Mandei comprar limão também?
– Não, mãe.
– E por que trouxe?
– Dona Zinda me deu.
– A troco de quê?
– De nada não, mãe, só pra eu brincar.
– Com o limão?
– É, jogar na parede que nem uma bolinha.
– Tem certeza de que dona Zinda deu?
– Deu, mãe.
– Você não carregou sem ela ver?
– Não, imagina!
– Pediu?
– Pedi, ela deu, juro.
– Pois vamos tirar isso a limpo.

Escrupulosa, a mãe, muito. Cutuca dos filhos os pertences: “Quem lhe deu isto?, vou perguntar se deu mesmo, não quero novidades, se me chegar com alguma coisa dos outros leva uma pisa, blá blá blá”.

Pois bem. À quitanda de dona Zinda vamos. Tirar a limpo do limão a história, mesmo que não careça. Tranquila vou, no bolso da saia o limão levo. Novinho, graúdo, de cheiro acre e bom.
– Dona Zinda, vim perguntar uma coisa.
– Pois diga.
– A menina me chegou com uma limão, disse que ganhou, é verdade?
Mostro o limão, acomodado está na minha mão, e bem, já gosto dele, muito.
– Este, dona Zinda, a senhora deu à menina?
– Este limão assim graúdo, bom de vender?
– Sim, este mesmo.
– Dei não.
– Não?!
– Ela deve ter pegado quando fui ao quintal, mas dar não dei.
– Pois muito bem, dona Zinda, bote o limão na minha conta.

Sinto da palavra o ferrão, e na garganta me atravessa um ah! indignado. Dizer “Mentira, dona Zinda está mentindo, eu não tirei escondido o limão!”, não digo. Embaraçada e ferida, olho-a; mas a mulher, indiferente, já se ocupa em anotar na caderneta de fiados a dívida do limão.

Pois que em casa, irada, sentindo-se ultrajada, envergonhada, a mãe me impõe um castigo:
– Você vai chupar esse limão até a última gota, está ouvindo?
Graúdo, bonito, cheiroso, o limão. Pra brincar serviria deliciosamente. Bola ligeira da mão para a parede. Brincadeira solitária, sei, mas ia me entreter um bocado. Ia.
Na boca, porém, outro é o gosto deste limão. Azedo, tão, azedíssimo, insuportável quase.

Amargo entretenimento.

(In: Grande baú, a infância)



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