Estande da Secretaria de Estado da Cultura: Lêdo Ivo, Arriete Vilela e Geraldo Gonçalves
sábado, 29 de outubro de 2011
sexta-feira, 28 de outubro de 2011
Palavras não ditas... Recortes poéticos de Arriete Vilela
Inspirados em poemas de Arriete Vilela e nos relatos da autora sobre o seu percurso poético de vida e de arte, professores e alunos da Escola Técnica de Artes (UFAL) propõem uma viagem poética misturando a força da poesia com pequenas histórias da vida da autora; a performance é um convite para o espectador vivenciar a intensidade de um espetáculo de Arte, em várias modalidades, como poesia, música, teatro, e de provocações das palavras não ditas e ditas.
Carla Antonello
Carla Antonello
Coordenadora da Escola Técnica de Artes (UFAL)
quinta-feira, 27 de outubro de 2011
quarta-feira, 26 de outubro de 2011
Relançamentos na Bienal: Maria Flor etc. e Fantasia e Avesso
sexta-feira, 21 de outubro de 2011
União Brasileira de Escritores (Rio de Janeiro) premia Obra Poética Reunida
quinta-feira, 20 de outubro de 2011
Fantasia e Avesso: relançamento na V Bienal
Maria Flor etc: relançamento na Bienal
sábado, 15 de outubro de 2011
Fantasia e Avesso V - Arriete Vilela
“Amor, tens sido meu mestre,
Tenho-te servido sobre todos os deuses.
Ah, se pudesse nascer duas vezes,
Como te serviria melhor!” (Clément Marot)
Tenho-te servido sobre todos os deuses.
Ah, se pudesse nascer duas vezes,
Como te serviria melhor!” (Clément Marot)
Retomado... Na ronda que fazes à minha paixão. No brinde a esse amor, forte como um cordão umbilical. O avesso das pessoas que desgraciosamente cirandam ao redor da minha fantasia. A palavra, amor: uma natural disposição para a luta, garras afiadas à espreita. A palavra: senha para transpor grades e pedras, senha para todos os privilégios do segredo. A fantasia construindo uma interioridade intocável - pássaro arisco de olho flamejado de emoção. O avesso das concessões amorosas, o coração em agitado entretenimento com o mundo; o colorido das pessoas, suas investidas, seus movimentos, suas farsas e suas festas. Fruição do momento, tu deves entender. Cheiro de lavanda ao vento, uma alegre estrada com miúdas flores arco-irisadas. Uma busca inconsciente, dolorosa e ansiada de sensações que acetinassem a pele sem ferir os escrúpulos. Um estalar de dedos, amor, e o príncipe transformava-se em sapo. Um remoer interior, rasteira nos tormentos do anjo. A palavra: uma crueza no olhar, abstenção e alheamento - contraditoriamente, a assunção da dor. Ama-me à tua revelia. Beija-me repetidamente e morde-me com leveza, amor. Sou animal golpeado que te pode encharcar num sangue vivo e borbulhante. É o risco de te comprometeres com o meu sentimento e com todos os meus avessos. O fio da meada retomado nas astúcias vigilantes. É preciso entender bem a fábula e ter o queijo à mão, enquanto uma bocarra vaidosa canta para os tolos. A palavra na fantasia do poeta vigiando o próprio desespero. Não mais disfarçando um romantismo agora sangrado. O fio da meada perdido entre amor e ódio: próximos e silentes, na tocaia. O fio da meada retomado na resistência do mandacaru. A palavra: um abraço fatídico. Serei cruel se tropeçares, serei mortal se rastejares. Uma serpente a jogar-te mel na boca e luz no olhos. A palavra, amor: uma emoção toda exposta à claridade do sol. O avesso do silêncio a cair pesado sobre a tua ternura, a esmagar a tua lógica, a fluir sob uma fatalidade que te trará a mim. Inevitavelmente. A fantasia, amor, não te esqueças. Abelha e aranha caídas no vermelho da flor. Anjo e fera diante de ti. À tua disposição. O fio da meada retomado no brinde às remotas saudades, às quais já não posso agarrar-me. Porque eu só sei amar explodida de emoção; eu só sei amar ritmada com a própria vida; eu só sei amar com os olhos eternamente encantados da infância. Eu só sei amar assim: desordenadamente. Como o capim que cresce, vigoroso e desigual. Enfim: eu só sei amar quando o meu coração singulariza o amor no meio de quaisquer outros sentimentos. A palavra, tu sabes, às vezes me dói: infiltra-se na asa quebrada do pássaro selvagem, enlouquecendo-o. E tu, amor, que me escreves poemas na alma e não sabes a tortura de se ter poemas escritos na própria alma, etcétera e tal, tu não avalias a perplexidade de uma pessoa diante da palavra no casulo, na toca. O fio da meada perdido numa ronda nostálgica à tua boa vontade de amar. Impulso e relance, fagulha e brilho de vaga-lume. Tudo muito rápido, uma lasca na extensa esteira da eternidade, flor branca que já não me amedronta, porque sou borboleta amarela rondando a flor ardente. A palavra e o cheiro bom que vem de ti. Tu perpetuas em mim a incoerência dos amantes e eu te abraço com o desespero dos ecos perdidos nas montanhas desdobradas. A fantasia, amor, não te esqueças. Sou luar nas frestas da tua alma nua. A palavra às vezes é suave como uma flor noturna; às vezes me lanha e eu me contorço de dor e de desejo. Porque a minha paixão é impulsiva e tragicamente ardorosa. O avesso do jogo que re/inventas todo dia, palhaço vagabundo cigano: sei que estás muito além da minha dimensão cotidiana e é por isso, talvez, que te amo tanto. A palavra: o poliedro que tenho vivido e que está sempre retomado no fio da fantasia que me avessa somente para as tuas grandes incoerências...
sexta-feira, 14 de outubro de 2011
Fantasia e Avesso IV - Arriete Vilela
“E o amor que se perdeu, ao retornar, sempre há de ser mais belo, e maior, e mais grato, e mais forte.” (Shakespeare)
O resgate da fantasia. Novamente atreladas, flor e pedra. O renovo, a palavra desfiando a teia lógica das coisas. No avesso da imprevisibilidade do destino, a marca singularíssima da incoerência da bondade de Deus. O fio perdido, amor, e agora retomado, puxando devagar a extensa esteira da eternidade. Uma questão de sentimento, tu sabes. Antropofágico, sôfrego, inevitável esse tremor nas carnes: o olho atento ao fundo plano do baú. A palavra: um mundo, feito um ovo, repetidamente posto em pé. A palavra, às vezes, encerra-se em si mesma, como a tartaruga. O fio retomado da minha paixão voraz e jogado por cima do muro alto: o grande desafio de vida. Ciranda, cirandinha, vamos de novo cirandar. Ah, amor, distorço passado e futuro para que te incluas somente em mim, pois amar-te é como tocar na força viva do prazer, ferida majestosa feito gema amarela; um prazer doce e tenso, flutuando no teu cheiro secreto, cumulado de úmidas carícias, mornas e nuas, abelhas caídas no cristalino da flor. O avesso do nosso código instaurado, do novo discurso amoroso. A fantasia da mesma lua redonda de brilho e de sonho, refletida no ventre prenhe de ansiadas palavras, com as quais te apalpo e que nunca se submetem aos meus ímpetos. Porque estou sempre perplexa diante de uma saudade que abstrai o sentido real do que rotineiramente és. A palavra: gosto de peixe cru na boca, resina escorrendo pelo corpo, lua cheia encharcada de chuva e de solidão. A palavra é feito espinho no pé. O avesso dessa paixão que às vezes toca a minha alma, impiedosamente, ao ponto de nocauteá-la. Justo a minha alma, cigana e borboleta, intraduzível e silenciosa, que se cria a partir da tua compreensão e morre quando tua lógica encurta o caminho através das formas ensombreadas da linguagem. Ah, a palavra: é como estar leve e solta dentro de um enorme vazio: flutuo sem adjetivos, apenas intuitivamente, isenta de aflições, desenraizada, numa preciosa solidão cheia de acessos a ti, à espera do teu afago e do teu silêncio, atenta ao abandono da tua alma fluida e da realidade fibrosa e vigilante do teu coração. O avesso de qualquer mistério e de qualquer explicação, amor, por causa da minha postura diante da eternidade, desconhecida e incompreensível flor branca que já não me amedronta, porque estou plena somente de ti. Pois os teus olhos de luz dourada me avessam, tu sabes, e então sigo as rotas que traças no mapa dos instantes - e se mudas o rumo, como se fora apenas uma questão de humor, sou gaivota voando com as asas desesperadas de uma águia. A fantasia, amor, da grande lona de circo protegendo-nos de todos os maus olhares, amém. A palavra boiando dentro de mim, energizando a minha carne - borboleta amarela rondando a flor ardente, um grande salto dentro da noite. O avesso da realidade coletiva e gregária, que não comporta o único referencial com que te aguardo: uma vadia paixão, poetizada e hemorrágica, princípio vital cheio de ritos, estopim e emboscada. Uma paixão clandestina, à margem do caminho comum das pessoas; uma paixão impaciente, criativa nos agrados, dengosa, tirânica, intensa. A fantasia, amor, não te esqueças. Novamente atreladas, flor e pedra. Sem fragmentação de vida, sem suspense traído, sem presenças viscosas. Ternuras renovadas, o incenso posto ao lado, as bolinhas no lençol de águas brancas com que te brinco e te cubro etcétera e tal. O fio da meada perdido e agora retomado. Perdido e retomado. Retomado, amor...
O resgate da fantasia. Novamente atreladas, flor e pedra. O renovo, a palavra desfiando a teia lógica das coisas. No avesso da imprevisibilidade do destino, a marca singularíssima da incoerência da bondade de Deus. O fio perdido, amor, e agora retomado, puxando devagar a extensa esteira da eternidade. Uma questão de sentimento, tu sabes. Antropofágico, sôfrego, inevitável esse tremor nas carnes: o olho atento ao fundo plano do baú. A palavra: um mundo, feito um ovo, repetidamente posto em pé. A palavra, às vezes, encerra-se em si mesma, como a tartaruga. O fio retomado da minha paixão voraz e jogado por cima do muro alto: o grande desafio de vida. Ciranda, cirandinha, vamos de novo cirandar. Ah, amor, distorço passado e futuro para que te incluas somente em mim, pois amar-te é como tocar na força viva do prazer, ferida majestosa feito gema amarela; um prazer doce e tenso, flutuando no teu cheiro secreto, cumulado de úmidas carícias, mornas e nuas, abelhas caídas no cristalino da flor. O avesso do nosso código instaurado, do novo discurso amoroso. A fantasia da mesma lua redonda de brilho e de sonho, refletida no ventre prenhe de ansiadas palavras, com as quais te apalpo e que nunca se submetem aos meus ímpetos. Porque estou sempre perplexa diante de uma saudade que abstrai o sentido real do que rotineiramente és. A palavra: gosto de peixe cru na boca, resina escorrendo pelo corpo, lua cheia encharcada de chuva e de solidão. A palavra é feito espinho no pé. O avesso dessa paixão que às vezes toca a minha alma, impiedosamente, ao ponto de nocauteá-la. Justo a minha alma, cigana e borboleta, intraduzível e silenciosa, que se cria a partir da tua compreensão e morre quando tua lógica encurta o caminho através das formas ensombreadas da linguagem. Ah, a palavra: é como estar leve e solta dentro de um enorme vazio: flutuo sem adjetivos, apenas intuitivamente, isenta de aflições, desenraizada, numa preciosa solidão cheia de acessos a ti, à espera do teu afago e do teu silêncio, atenta ao abandono da tua alma fluida e da realidade fibrosa e vigilante do teu coração. O avesso de qualquer mistério e de qualquer explicação, amor, por causa da minha postura diante da eternidade, desconhecida e incompreensível flor branca que já não me amedronta, porque estou plena somente de ti. Pois os teus olhos de luz dourada me avessam, tu sabes, e então sigo as rotas que traças no mapa dos instantes - e se mudas o rumo, como se fora apenas uma questão de humor, sou gaivota voando com as asas desesperadas de uma águia. A fantasia, amor, da grande lona de circo protegendo-nos de todos os maus olhares, amém. A palavra boiando dentro de mim, energizando a minha carne - borboleta amarela rondando a flor ardente, um grande salto dentro da noite. O avesso da realidade coletiva e gregária, que não comporta o único referencial com que te aguardo: uma vadia paixão, poetizada e hemorrágica, princípio vital cheio de ritos, estopim e emboscada. Uma paixão clandestina, à margem do caminho comum das pessoas; uma paixão impaciente, criativa nos agrados, dengosa, tirânica, intensa. A fantasia, amor, não te esqueças. Novamente atreladas, flor e pedra. Sem fragmentação de vida, sem suspense traído, sem presenças viscosas. Ternuras renovadas, o incenso posto ao lado, as bolinhas no lençol de águas brancas com que te brinco e te cubro etcétera e tal. O fio da meada perdido e agora retomado. Perdido e retomado. Retomado, amor...
terça-feira, 11 de outubro de 2011
Fantasia e Avesso III - Arriete Vilela
“Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
Amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?”
(Carlos Drummond de Andrade)
... e retomado. Noutros termos, bem sabemos. Qual asa quebrada do pássaro selvagem. A palavra: fantasia e avesso. Uma febre, uma doença sem cura, ferida perpétua, apesar da flexibilidade. A palavra: último momento, última chance, último fim. Cais em noite escura, ventania, convite, cheiro acre no lençol. A caixa de rapé, velhas associações, o pigarro, a ira sem espuma. O avesso da própria fantasia: mosaicos sobre a minha amargura de estar vivendo um poliedro. Noutros termos, agora, o cristal e o lírio, a dor e as farpas. O real sem porto de chegada. O avesso cruel, antropofágico, enlouquecido. Janelas sendo fechadas na cara fria de tanto receber o vento cheio de vazios. As ternuras no trilho do trem; os perdões passivos, fáceis e súbitos, indiferentes. A palavra: ouro no velho baú, piratas rondando, o medo furando os olhos, lâmina afiada e seca. O avesso das tuas ponderações, das tuas extraordinárias ponderações, das tuas inúteis ponderações. A tua sensatez e a tua opção. A fantasia que estava por detrás de tudo isso. A alegria que havia nas expectativas e nas imponderações e na tua alma e no meu desejo. 0 fio da meada, amor, perdido e retomado agora noutros termos. De um jeito que eu não queria. Qual desenho no papel jogado às feras. A palavra: plantão e isca, o olho na ponta do anzol. O mundo e as coisas, borboleta marrom, aranha caída no vermelho da flor, baba peçonhenta. Pétalas negras molhadas no sangue doce. Ah, o avesso da singularidade de tudo o que me chegava através de uma hemorrágica paixão. O avesso da libertação torturada na asa quebrada do pássaro selvagem. A dor do golpe dado às costas, a dor da perda. O avesso da minha desesperada decisão de não te procurar, pois continuo sem saber destravar portas e postigos. O avesso, amor, da tatuagem feita a ferro e brasa. A fantasia da lona cobrindo o imponderável circo que era o meu coração, quando estávamos ambos na mesma corda bamba. O avesso dessa história que se vai abreviando e cujo fio está labirinticamente perdido. Ah, a palavra: sem sintonia, agora, sem bússola e sem leme. Descolada de mim, a palavra. O som dos pratos distanciando-se da fanfarra. O som perdido do que me era apaixonante, do que me brincava nos olhos calmos. O fio da meada retomado nos dentes trincados de agoniada dor. O avesso da morte tantas vezes driblada, enganosamente. O descuido do anjo, o descaso, a cruz fincada no chão. Não mais a palavra fácil, não mais o tremor nas carnes, os nervos retesados: a alegria do escrever. O mergulho no mar desconhecido, a cerveja gelada e o balanço na rede. O avesso do privilégio de se ter tudo isso, sabendo-se que os anões roubaram um pedaço do coração, uma lasca da alma, amor, uma fatia do bolo com cobertura de suor vivo. A fantasia das nossas sombras imitando-nos ao sol; do arco-íris desfazendo-se no nosso corpo; das nossas tardes, amor, sem outras presenças e sem esse limão de agora. A palavra: magia e milagre, macio cetim no oco da minha alma. A palavra asfixiando-se na palavra que tu me deste e que era de vidro e se quebrou. A fantasia do reino de muitos avessos e de poucas palavras verdadeiras. A fantasia, amor, da lua minguante. Feito o teu amor. Feito a minha alegria. Feito a palavra. Feito esse fio perdido e, creio, nunca mais retomado.
(In: FANTASIA E AVESSO)
entre criaturas, amar?
Amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?”
(Carlos Drummond de Andrade)
... e retomado. Noutros termos, bem sabemos. Qual asa quebrada do pássaro selvagem. A palavra: fantasia e avesso. Uma febre, uma doença sem cura, ferida perpétua, apesar da flexibilidade. A palavra: último momento, última chance, último fim. Cais em noite escura, ventania, convite, cheiro acre no lençol. A caixa de rapé, velhas associações, o pigarro, a ira sem espuma. O avesso da própria fantasia: mosaicos sobre a minha amargura de estar vivendo um poliedro. Noutros termos, agora, o cristal e o lírio, a dor e as farpas. O real sem porto de chegada. O avesso cruel, antropofágico, enlouquecido. Janelas sendo fechadas na cara fria de tanto receber o vento cheio de vazios. As ternuras no trilho do trem; os perdões passivos, fáceis e súbitos, indiferentes. A palavra: ouro no velho baú, piratas rondando, o medo furando os olhos, lâmina afiada e seca. O avesso das tuas ponderações, das tuas extraordinárias ponderações, das tuas inúteis ponderações. A tua sensatez e a tua opção. A fantasia que estava por detrás de tudo isso. A alegria que havia nas expectativas e nas imponderações e na tua alma e no meu desejo. 0 fio da meada, amor, perdido e retomado agora noutros termos. De um jeito que eu não queria. Qual desenho no papel jogado às feras. A palavra: plantão e isca, o olho na ponta do anzol. O mundo e as coisas, borboleta marrom, aranha caída no vermelho da flor, baba peçonhenta. Pétalas negras molhadas no sangue doce. Ah, o avesso da singularidade de tudo o que me chegava através de uma hemorrágica paixão. O avesso da libertação torturada na asa quebrada do pássaro selvagem. A dor do golpe dado às costas, a dor da perda. O avesso da minha desesperada decisão de não te procurar, pois continuo sem saber destravar portas e postigos. O avesso, amor, da tatuagem feita a ferro e brasa. A fantasia da lona cobrindo o imponderável circo que era o meu coração, quando estávamos ambos na mesma corda bamba. O avesso dessa história que se vai abreviando e cujo fio está labirinticamente perdido. Ah, a palavra: sem sintonia, agora, sem bússola e sem leme. Descolada de mim, a palavra. O som dos pratos distanciando-se da fanfarra. O som perdido do que me era apaixonante, do que me brincava nos olhos calmos. O fio da meada retomado nos dentes trincados de agoniada dor. O avesso da morte tantas vezes driblada, enganosamente. O descuido do anjo, o descaso, a cruz fincada no chão. Não mais a palavra fácil, não mais o tremor nas carnes, os nervos retesados: a alegria do escrever. O mergulho no mar desconhecido, a cerveja gelada e o balanço na rede. O avesso do privilégio de se ter tudo isso, sabendo-se que os anões roubaram um pedaço do coração, uma lasca da alma, amor, uma fatia do bolo com cobertura de suor vivo. A fantasia das nossas sombras imitando-nos ao sol; do arco-íris desfazendo-se no nosso corpo; das nossas tardes, amor, sem outras presenças e sem esse limão de agora. A palavra: magia e milagre, macio cetim no oco da minha alma. A palavra asfixiando-se na palavra que tu me deste e que era de vidro e se quebrou. A fantasia do reino de muitos avessos e de poucas palavras verdadeiras. A fantasia, amor, da lua minguante. Feito o teu amor. Feito a minha alegria. Feito a palavra. Feito esse fio perdido e, creio, nunca mais retomado.
(In: FANTASIA E AVESSO)
domingo, 9 de outubro de 2011
Fantasia e Avesso II - Arriete Vilela
“Não há garantia nenhuma. Mas é desejar um compromisso, sem nenhuma garantia, que faz do amor algo especial.” (George Weinberg)
O fio da meada, amor: retomado como se, sobre ele, fosses atravessar imensos desfiladeiros. O avesso da civilização nas suas incompreensíveis coerências e nos seus adornos, nas suas explicações intermináveis, quase sempre inúteis. A fantasia do balanço feito na mangueira do fundo do quintal e eu lá, menina ainda, pequenina flor agitando-se ao vento, voando no ar. As inocências desveladas, os nascimentos e os frutos: os quintais da minha fantasia, um mundo minuciosamente sôfrego, cheio de expectativas e de mistérios. E tu, amor, és o começo do arco-íris que mergulha no limite do mar; se já me esperasses ao fim dele, creio que te confundiriam com o pote de moedas de ouro que os seres elementares dizem existir. Eu te quero sempre no começo, no renovo. Eu te quero no sangue aquecido de emoções, e se não te dou a paz dos bem-aventurados bíblicos é porque a paz, amor, é a ausência das emoções humanas e eu te quero cheio de uma humanidade plena, embora imperfeita. Eu te quero prescindindo de uma realidade que passa a ser comum quando não tem avesso. De novo a palavra: mergulho e fôlego, um desafio. Um barulho seco no coração ansioso, uma esmola gorda na mão que obsta o caminho; um tremor nas carnes, os nervos retesados: a implosão - e é tudo uma questão de aura ou de carma. Ou de pelos eriçados de paixão. Ou do fremir. Ou do nada, simplesmente. Porque eu te amo a partir do nada. A partir do pó e do sopro de que somos feitos cotidianamente. Ou de toda essa confusão que se instala no peito que ama e que dança ao som da melodia do andante cantabile. O avesso, amor, de qualquer argumento, de qualquer racionalidade, de qualquer aritmética. A fantasia, não te esqueças. Da flauta doce e dos teus doces olhos. Do mergulho na brabeza do mar desconhecido, uma luta desigual e bonita. Esse mar que nunca te traz, qual marinheiro em desventrados azuis que não são provisórios. A fantasia e o avesso. Dos músculos que não se contraem quando escrevo, porque estou absolutamente entregue. A fantasia dos teus atos que me vêm através de mil pés, nenhum deles capenga. A fantasia da mãe cigana que me rouba numa carroça em pandarecos toda vez que o meu coração sangra. Ela me leva por qualquer estrada, contanto que a dor se distraia de mim e me abandone de mansinho; ela deita a minha cabeça sobre a sua velha saia rodada e colorida e me canta uma canção cigana qualquer; ela afaga os meus cabelos como só uma mãe sabe afagar, porque, então, eu preciso muito de um afago. A mãe cigana me rouba, tu sabes, porque às vezes eu também careço de me curar de ti; ela lê a minha mão e quando vê o teu nome mil vezes repetidamente escrito nos traços do meu destino, ela se cala e sei que terei ximbras vindas dos olhos dela. Eu amo a minha mãe cigana e ela te ama porque sabe que és a minha prioridade de vida. Sim, a palavra, amor: pérola na ostra, pistilo, larva e lastro, possibilidade e intuição. Uma estranheza que, às vezes, apesar da dor na carne, paira muito além de mim. A palavra: uma re/invenção, um sufrágio, um acúmulo. Uma perplexidade, quase sempre. O que excede da minha paixão, hemorrágica e vadia. Tu sabes, amor, que quando me apreendes implicitamente, tu próprio ultrapassas o teu significado visível, e temos, ambos, a sintonia do êxtase real, no cerne mesmo do ato. A palavra é canto de aleluia e serve para que eu me mostre maravilhada diante da doçura enovelada que és, qual borboleta amarela, qual música de Tchaikovsky, qual energia alegre. Ah, amor: fantasia e avesso. O fio da meada, perdido...
(In: FANTASIA E AVESSO)
O fio da meada, amor: retomado como se, sobre ele, fosses atravessar imensos desfiladeiros. O avesso da civilização nas suas incompreensíveis coerências e nos seus adornos, nas suas explicações intermináveis, quase sempre inúteis. A fantasia do balanço feito na mangueira do fundo do quintal e eu lá, menina ainda, pequenina flor agitando-se ao vento, voando no ar. As inocências desveladas, os nascimentos e os frutos: os quintais da minha fantasia, um mundo minuciosamente sôfrego, cheio de expectativas e de mistérios. E tu, amor, és o começo do arco-íris que mergulha no limite do mar; se já me esperasses ao fim dele, creio que te confundiriam com o pote de moedas de ouro que os seres elementares dizem existir. Eu te quero sempre no começo, no renovo. Eu te quero no sangue aquecido de emoções, e se não te dou a paz dos bem-aventurados bíblicos é porque a paz, amor, é a ausência das emoções humanas e eu te quero cheio de uma humanidade plena, embora imperfeita. Eu te quero prescindindo de uma realidade que passa a ser comum quando não tem avesso. De novo a palavra: mergulho e fôlego, um desafio. Um barulho seco no coração ansioso, uma esmola gorda na mão que obsta o caminho; um tremor nas carnes, os nervos retesados: a implosão - e é tudo uma questão de aura ou de carma. Ou de pelos eriçados de paixão. Ou do fremir. Ou do nada, simplesmente. Porque eu te amo a partir do nada. A partir do pó e do sopro de que somos feitos cotidianamente. Ou de toda essa confusão que se instala no peito que ama e que dança ao som da melodia do andante cantabile. O avesso, amor, de qualquer argumento, de qualquer racionalidade, de qualquer aritmética. A fantasia, não te esqueças. Da flauta doce e dos teus doces olhos. Do mergulho na brabeza do mar desconhecido, uma luta desigual e bonita. Esse mar que nunca te traz, qual marinheiro em desventrados azuis que não são provisórios. A fantasia e o avesso. Dos músculos que não se contraem quando escrevo, porque estou absolutamente entregue. A fantasia dos teus atos que me vêm através de mil pés, nenhum deles capenga. A fantasia da mãe cigana que me rouba numa carroça em pandarecos toda vez que o meu coração sangra. Ela me leva por qualquer estrada, contanto que a dor se distraia de mim e me abandone de mansinho; ela deita a minha cabeça sobre a sua velha saia rodada e colorida e me canta uma canção cigana qualquer; ela afaga os meus cabelos como só uma mãe sabe afagar, porque, então, eu preciso muito de um afago. A mãe cigana me rouba, tu sabes, porque às vezes eu também careço de me curar de ti; ela lê a minha mão e quando vê o teu nome mil vezes repetidamente escrito nos traços do meu destino, ela se cala e sei que terei ximbras vindas dos olhos dela. Eu amo a minha mãe cigana e ela te ama porque sabe que és a minha prioridade de vida. Sim, a palavra, amor: pérola na ostra, pistilo, larva e lastro, possibilidade e intuição. Uma estranheza que, às vezes, apesar da dor na carne, paira muito além de mim. A palavra: uma re/invenção, um sufrágio, um acúmulo. Uma perplexidade, quase sempre. O que excede da minha paixão, hemorrágica e vadia. Tu sabes, amor, que quando me apreendes implicitamente, tu próprio ultrapassas o teu significado visível, e temos, ambos, a sintonia do êxtase real, no cerne mesmo do ato. A palavra é canto de aleluia e serve para que eu me mostre maravilhada diante da doçura enovelada que és, qual borboleta amarela, qual música de Tchaikovsky, qual energia alegre. Ah, amor: fantasia e avesso. O fio da meada, perdido...
(In: FANTASIA E AVESSO)
quinta-feira, 6 de outubro de 2011
Fantasia e Avesso (I) - Arriete Vilela
"Amar é mudar a alma de casa." (Mário Quintana)
A fantasia, amor. O avesso dos fatos, a realidade fibrosa, a palavra à espera. A saudade enovelando o coração, o mesmo segredo, semente viva. Os olhos no mar cheio de pedras, o clímax e a dor do desejo. A harmonia em todos os caminhos, mesmo os tortuosos. A fantasia, amor, não te esqueças de que quero ser a tua fantasia, a outra dimensão, o avesso do teu cotidiano. A paixão é um dom e nos privilegia - e eu te amo porque tua alma é claricíclica e és paixão feito rochedo submerso e feito artemísia e feito flocos de algodão e feito bolero. O mundo e as coisas, borboleta e presságio, abelha caída no vermelho da flor. A palavra, despojada e oculta, transmudando o castanho da vida; a palavra, atitude permanente, ímpeto precioso e desordenado, gracioso e alegre. A palavra: gangorra e fantasia, significação na tessitura da alma. A palavra, amor, na noite sem estrelas, na solidão fingindo-se distraída, no vôo despretensioso da gaivota cantada no violão da amiga vinda das rendas. A palavra intuitiva, assim como todas as minhas deduções, que nunca foram lógicas. A ternura no abraço de todos os santos baianos, dos anjos barrocos, dos nômades e dos vulneráveis. Alguma coisa minha que já se colou à tua vida, estampa no teu coração, figurinha no álbum. O instante agora é amplo e potente: crio um mundo, que é meu e teu, granítico e atravessado de eucaliptos. A fantasia, amor. O avesso da palavra que crepita e que é êxtase silencioso e secreto. O avesso do pensamento que estranha toda a espécie humana feita à imagem e semelhança de Deus. O avesso, amor, das minhas próprias incoerências e das tuas grandes compreensões. Tenho estado na plenitude lúcida da felicidade, que me surpreende como se fora um milagre. O avesso do teu olho boiando na tarde dourada, boiando no mar que tu me deste, etcétera e tal. O avesso da flor, da raiz, das nuances e do vazio. A fantasia e o avesso. Hemorrágica, essa minha paixão. Excedente, voraz, orgânica, genial e geniosa. Uma tela branca, todo dia. Tu me escreves poemas na alma e não sabes a tortura de se ter poemas escritos na própria alma; tu me pintas o longe e o místico nos olhos e não sabes a loucura de se ter o desconhecido nos próprios olhos. Tu, amor, colhes-me o sangue e o bebes com a inocência de uma criança que toma leite. Pois tu não avalias o quanto a oferenda que sou te pulsa na breve história que és. Porque somos todos uma breve história – e quanto mais avessada, melhor. A fantasia, não te esqueças. A terra humosa, o ritual do incenso posto ao lado, as bolinhas no lençol de águas brancas com que te brinco e te cubro. O chão, animais entorpecidos de tanto amar. O desperdício das horas em que és ouro-sol para outras expectativas. Yo te quiero siempre. No tango, o salão iluminado de muitos olhos; na taberna e no delírio que me causa o Bolero de Ravel. Yo te quiero, amor, mesmo quando és ianque, os braços cheios de promessas vindas da floricultura. O avesso e a fantasia. O grito que é sussurro, gozo e conquista, gozo e sangue, águas calmas desembocando na fúria dos sete mares. O avesso da contemplação de tudo isso. O avesso da opacidade dos outros, dos golpes dados à toa, das ondulações na angústia que me toma toda vez que falo secretas andanças. O avesso da bolha de sabão seguida pelos olhos miúdos e gananciosos de toda a gente que é atraída pelas honrarias, submetida à tirania das pessoas mais fortes: um avesso que fatalmente espocará inchado feito um cogumelo doente. O avesso do feio, do sórdido, do coração endurecido e vampiresco. O fio da meada, amor, sempre perdido e sempre retomado. O sabor de mel nas coisas quando estás por perto. A nota musical caindo na leveza da manhã e, remotamente, no rio em que banhava os meus sonhos de menina. Eu já te intuía e tudo o que foi escrito já era teu. Aliás: eu inteira sou tua, no avesso e na fantasia da vida...
A fantasia, amor. O avesso dos fatos, a realidade fibrosa, a palavra à espera. A saudade enovelando o coração, o mesmo segredo, semente viva. Os olhos no mar cheio de pedras, o clímax e a dor do desejo. A harmonia em todos os caminhos, mesmo os tortuosos. A fantasia, amor, não te esqueças de que quero ser a tua fantasia, a outra dimensão, o avesso do teu cotidiano. A paixão é um dom e nos privilegia - e eu te amo porque tua alma é claricíclica e és paixão feito rochedo submerso e feito artemísia e feito flocos de algodão e feito bolero. O mundo e as coisas, borboleta e presságio, abelha caída no vermelho da flor. A palavra, despojada e oculta, transmudando o castanho da vida; a palavra, atitude permanente, ímpeto precioso e desordenado, gracioso e alegre. A palavra: gangorra e fantasia, significação na tessitura da alma. A palavra, amor, na noite sem estrelas, na solidão fingindo-se distraída, no vôo despretensioso da gaivota cantada no violão da amiga vinda das rendas. A palavra intuitiva, assim como todas as minhas deduções, que nunca foram lógicas. A ternura no abraço de todos os santos baianos, dos anjos barrocos, dos nômades e dos vulneráveis. Alguma coisa minha que já se colou à tua vida, estampa no teu coração, figurinha no álbum. O instante agora é amplo e potente: crio um mundo, que é meu e teu, granítico e atravessado de eucaliptos. A fantasia, amor. O avesso da palavra que crepita e que é êxtase silencioso e secreto. O avesso do pensamento que estranha toda a espécie humana feita à imagem e semelhança de Deus. O avesso, amor, das minhas próprias incoerências e das tuas grandes compreensões. Tenho estado na plenitude lúcida da felicidade, que me surpreende como se fora um milagre. O avesso do teu olho boiando na tarde dourada, boiando no mar que tu me deste, etcétera e tal. O avesso da flor, da raiz, das nuances e do vazio. A fantasia e o avesso. Hemorrágica, essa minha paixão. Excedente, voraz, orgânica, genial e geniosa. Uma tela branca, todo dia. Tu me escreves poemas na alma e não sabes a tortura de se ter poemas escritos na própria alma; tu me pintas o longe e o místico nos olhos e não sabes a loucura de se ter o desconhecido nos próprios olhos. Tu, amor, colhes-me o sangue e o bebes com a inocência de uma criança que toma leite. Pois tu não avalias o quanto a oferenda que sou te pulsa na breve história que és. Porque somos todos uma breve história – e quanto mais avessada, melhor. A fantasia, não te esqueças. A terra humosa, o ritual do incenso posto ao lado, as bolinhas no lençol de águas brancas com que te brinco e te cubro. O chão, animais entorpecidos de tanto amar. O desperdício das horas em que és ouro-sol para outras expectativas. Yo te quiero siempre. No tango, o salão iluminado de muitos olhos; na taberna e no delírio que me causa o Bolero de Ravel. Yo te quiero, amor, mesmo quando és ianque, os braços cheios de promessas vindas da floricultura. O avesso e a fantasia. O grito que é sussurro, gozo e conquista, gozo e sangue, águas calmas desembocando na fúria dos sete mares. O avesso da contemplação de tudo isso. O avesso da opacidade dos outros, dos golpes dados à toa, das ondulações na angústia que me toma toda vez que falo secretas andanças. O avesso da bolha de sabão seguida pelos olhos miúdos e gananciosos de toda a gente que é atraída pelas honrarias, submetida à tirania das pessoas mais fortes: um avesso que fatalmente espocará inchado feito um cogumelo doente. O avesso do feio, do sórdido, do coração endurecido e vampiresco. O fio da meada, amor, sempre perdido e sempre retomado. O sabor de mel nas coisas quando estás por perto. A nota musical caindo na leveza da manhã e, remotamente, no rio em que banhava os meus sonhos de menina. Eu já te intuía e tudo o que foi escrito já era teu. Aliás: eu inteira sou tua, no avesso e na fantasia da vida...
(In: FANTASIA E AVESSO)
sábado, 1 de outubro de 2011
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