"Amar é mudar a alma de casa." (Mário Quintana)
A fantasia, amor. O avesso dos fatos, a realidade fibrosa, a palavra à espera. A saudade enovelando o coração, o mesmo segredo, semente viva. Os olhos no mar cheio de pedras, o clímax e a dor do desejo. A harmonia em todos os caminhos, mesmo os tortuosos. A fantasia, amor, não te esqueças de que quero ser a tua fantasia, a outra dimensão, o avesso do teu cotidiano. A paixão é um dom e nos privilegia - e eu te amo porque tua alma é claricíclica e és paixão feito rochedo submerso e feito artemísia e feito flocos de algodão e feito bolero. O mundo e as coisas, borboleta e presságio, abelha caída no vermelho da flor. A palavra, despojada e oculta, transmudando o castanho da vida; a palavra, atitude permanente, ímpeto precioso e desordenado, gracioso e alegre. A palavra: gangorra e fantasia, significação na tessitura da alma. A palavra, amor, na noite sem estrelas, na solidão fingindo-se distraída, no vôo despretensioso da gaivota cantada no violão da amiga vinda das rendas. A palavra intuitiva, assim como todas as minhas deduções, que nunca foram lógicas. A ternura no abraço de todos os santos baianos, dos anjos barrocos, dos nômades e dos vulneráveis. Alguma coisa minha que já se colou à tua vida, estampa no teu coração, figurinha no álbum. O instante agora é amplo e potente: crio um mundo, que é meu e teu, granítico e atravessado de eucaliptos. A fantasia, amor. O avesso da palavra que crepita e que é êxtase silencioso e secreto. O avesso do pensamento que estranha toda a espécie humana feita à imagem e semelhança de Deus. O avesso, amor, das minhas próprias incoerências e das tuas grandes compreensões. Tenho estado na plenitude lúcida da felicidade, que me surpreende como se fora um milagre. O avesso do teu olho boiando na tarde dourada, boiando no mar que tu me deste, etcétera e tal. O avesso da flor, da raiz, das nuances e do vazio. A fantasia e o avesso. Hemorrágica, essa minha paixão. Excedente, voraz, orgânica, genial e geniosa. Uma tela branca, todo dia. Tu me escreves poemas na alma e não sabes a tortura de se ter poemas escritos na própria alma; tu me pintas o longe e o místico nos olhos e não sabes a loucura de se ter o desconhecido nos próprios olhos. Tu, amor, colhes-me o sangue e o bebes com a inocência de uma criança que toma leite. Pois tu não avalias o quanto a oferenda que sou te pulsa na breve história que és. Porque somos todos uma breve história – e quanto mais avessada, melhor. A fantasia, não te esqueças. A terra humosa, o ritual do incenso posto ao lado, as bolinhas no lençol de águas brancas com que te brinco e te cubro. O chão, animais entorpecidos de tanto amar. O desperdício das horas em que és ouro-sol para outras expectativas. Yo te quiero siempre. No tango, o salão iluminado de muitos olhos; na taberna e no delírio que me causa o Bolero de Ravel. Yo te quiero, amor, mesmo quando és ianque, os braços cheios de promessas vindas da floricultura. O avesso e a fantasia. O grito que é sussurro, gozo e conquista, gozo e sangue, águas calmas desembocando na fúria dos sete mares. O avesso da contemplação de tudo isso. O avesso da opacidade dos outros, dos golpes dados à toa, das ondulações na angústia que me toma toda vez que falo secretas andanças. O avesso da bolha de sabão seguida pelos olhos miúdos e gananciosos de toda a gente que é atraída pelas honrarias, submetida à tirania das pessoas mais fortes: um avesso que fatalmente espocará inchado feito um cogumelo doente. O avesso do feio, do sórdido, do coração endurecido e vampiresco. O fio da meada, amor, sempre perdido e sempre retomado. O sabor de mel nas coisas quando estás por perto. A nota musical caindo na leveza da manhã e, remotamente, no rio em que banhava os meus sonhos de menina. Eu já te intuía e tudo o que foi escrito já era teu. Aliás: eu inteira sou tua, no avesso e na fantasia da vida...
A fantasia, amor. O avesso dos fatos, a realidade fibrosa, a palavra à espera. A saudade enovelando o coração, o mesmo segredo, semente viva. Os olhos no mar cheio de pedras, o clímax e a dor do desejo. A harmonia em todos os caminhos, mesmo os tortuosos. A fantasia, amor, não te esqueças de que quero ser a tua fantasia, a outra dimensão, o avesso do teu cotidiano. A paixão é um dom e nos privilegia - e eu te amo porque tua alma é claricíclica e és paixão feito rochedo submerso e feito artemísia e feito flocos de algodão e feito bolero. O mundo e as coisas, borboleta e presságio, abelha caída no vermelho da flor. A palavra, despojada e oculta, transmudando o castanho da vida; a palavra, atitude permanente, ímpeto precioso e desordenado, gracioso e alegre. A palavra: gangorra e fantasia, significação na tessitura da alma. A palavra, amor, na noite sem estrelas, na solidão fingindo-se distraída, no vôo despretensioso da gaivota cantada no violão da amiga vinda das rendas. A palavra intuitiva, assim como todas as minhas deduções, que nunca foram lógicas. A ternura no abraço de todos os santos baianos, dos anjos barrocos, dos nômades e dos vulneráveis. Alguma coisa minha que já se colou à tua vida, estampa no teu coração, figurinha no álbum. O instante agora é amplo e potente: crio um mundo, que é meu e teu, granítico e atravessado de eucaliptos. A fantasia, amor. O avesso da palavra que crepita e que é êxtase silencioso e secreto. O avesso do pensamento que estranha toda a espécie humana feita à imagem e semelhança de Deus. O avesso, amor, das minhas próprias incoerências e das tuas grandes compreensões. Tenho estado na plenitude lúcida da felicidade, que me surpreende como se fora um milagre. O avesso do teu olho boiando na tarde dourada, boiando no mar que tu me deste, etcétera e tal. O avesso da flor, da raiz, das nuances e do vazio. A fantasia e o avesso. Hemorrágica, essa minha paixão. Excedente, voraz, orgânica, genial e geniosa. Uma tela branca, todo dia. Tu me escreves poemas na alma e não sabes a tortura de se ter poemas escritos na própria alma; tu me pintas o longe e o místico nos olhos e não sabes a loucura de se ter o desconhecido nos próprios olhos. Tu, amor, colhes-me o sangue e o bebes com a inocência de uma criança que toma leite. Pois tu não avalias o quanto a oferenda que sou te pulsa na breve história que és. Porque somos todos uma breve história – e quanto mais avessada, melhor. A fantasia, não te esqueças. A terra humosa, o ritual do incenso posto ao lado, as bolinhas no lençol de águas brancas com que te brinco e te cubro. O chão, animais entorpecidos de tanto amar. O desperdício das horas em que és ouro-sol para outras expectativas. Yo te quiero siempre. No tango, o salão iluminado de muitos olhos; na taberna e no delírio que me causa o Bolero de Ravel. Yo te quiero, amor, mesmo quando és ianque, os braços cheios de promessas vindas da floricultura. O avesso e a fantasia. O grito que é sussurro, gozo e conquista, gozo e sangue, águas calmas desembocando na fúria dos sete mares. O avesso da contemplação de tudo isso. O avesso da opacidade dos outros, dos golpes dados à toa, das ondulações na angústia que me toma toda vez que falo secretas andanças. O avesso da bolha de sabão seguida pelos olhos miúdos e gananciosos de toda a gente que é atraída pelas honrarias, submetida à tirania das pessoas mais fortes: um avesso que fatalmente espocará inchado feito um cogumelo doente. O avesso do feio, do sórdido, do coração endurecido e vampiresco. O fio da meada, amor, sempre perdido e sempre retomado. O sabor de mel nas coisas quando estás por perto. A nota musical caindo na leveza da manhã e, remotamente, no rio em que banhava os meus sonhos de menina. Eu já te intuía e tudo o que foi escrito já era teu. Aliás: eu inteira sou tua, no avesso e na fantasia da vida...
(In: FANTASIA E AVESSO)
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