quinta-feira, 5 de maio de 2011

Assim te recordo, mãe... - Texto de Arriete Vilela



Recordo-te, mãe, em desassossegos de amor : teus olhos verdes – docemente compassivos quando postos nos filhos – atiçavam-se em iras de ciúme do único homem que o teu coração privilegiou.

Recordo-te, mãe, em desperdícios de afeto : teus olhos verdes – ferozmente indecifráveis quando postos sobre o teu tão humano e frágil amor – esgarçavam-se em desculpas, porque sabias, mãe, quanto teus filhos careciam do teu colo, e não o tinham, e careciam da tua paz, e não a tinhas, e careciam do teu boa-noite, do teu beijo leve no rosto, do teu afago, mãe, mas vivias entre ventos tormentosos que te lançavam contra os rochedos pontiagudos dos sentimentos ameaçadores, mesquinhos, imaturos.

Recordo-te, mãe, com uma dor danada na alma, sobretudo hoje: não te amaste a ti mesma como devias, não preservaste a bela chama que ardia no teu peito de mulher apaixonadamente ardente, e permitiste que a tirania amorosa conduzisse para mares tempestuosos a tua grande capacidade de doação e de alegria.

Recordo-te, mãe, como a pessoa mais íntegra da minha vida. Não soubeste, contudo, polir as arestas do teu coração : tua franqueza e tua autenticidade desconcertavam as pessoas, e eu mesma, muitas vezes, não soube lidar com o verde dos teus olhos : uma força que incidia diretamente nas fragilidades, como um raio de sol forte sobre as asas da pequena borboleta, no azul dos dias.

Recordo-te, mãe, para além das banalidades da vida : és hoje um brilho que se imprime em mim e me faz lutar pela difícil vivência harmoniosa do amor.

Recordo-te, mãe, como o colo por que anseio quando a poesia vem aninhar-se junto a mim, e eu careço apenas de que me entoes, mesmo tardiamente, uma dessas delicadas cantigas que trazem os melhores sonhos em doces e infantis palavras...

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