segunda-feira, 28 de maio de 2012


Poesia requer descoberta e espanto, diz Ferreira Gullar


Régis Martins *

Finalmente, Ferreira Gullar vem a Ribeirão Preto. Avesso a eventos sociais e literários, o maior poeta vivo da literatura brasileira participa da Feira do Livro na próxima quarta-feira, dia 30, em uma conferência no Theatro Pedro II.
O maranhense radicado no Rio de Janeiro vem para cidade de carro, porque não anda mais de avião. Aos 81 anos, recebeu os principais prêmios literários do País e tem uma obra que compreende 15 livros de poesia. Em entrevista por telefone, ele fala de seu processo criativo e da teoria de que a vida é uma invenção do homem. Confira a seguir.

A Cidade - De "A Luta Corporal" até "Em Alguma Parte Alguma" muita coisa mudou? 
Ferreira Gullar - Evidente, porque a poesia é uma coisa inventada, assim como a própria vida. Cada poeta e cada escritor se envolvem com determinados temas que falam mais do que outros e nos quais você vai construindo sua obra. Com o passar dos anos, vão mudando os temas. Mas, no meu caso, algumas questões voltaram. Neste novo livro, retomo algumas coisas de "A Luta Corporal", como a questão dos limites da linguagem e de como ela ainda é capaz de representar a nossa realidade.


A Cidade - Alguns críticos dizem que o senhor foi o precursor da poesia concreta. 
Ferreira - Isso é um equívoco muito grande. O meu livro "A Luta Corporal" (1954), ao desintegrar o discurso poético, criou as condições ideais para o surgimento da poesia concreta. Mas não é um livro "pré-concreto". Nunca pretendi fazer poesia concreta quando escrevi "A Luta Corporal". Longe disso.


A Cidade - De que fala a sua peça mais recente, "O Homem como invenção de Si Mesmo"?
Ferreira - Estou convencido de que o homem se inventa e inventa o próprio mundo em que vive. A cidade, por exemplo, é uma coisa criada pelo homem. Não é floresta e nem bosque. E assim também como nossos próprios valores. O ser humano criou Deus, né? Eu brinco dizendo que o homem criou Deus para que este o criasse. Porque, como diz o Waldick Soreano: "eu não sou cachorro, não".


A Cidade - É um assunto bem filosófico. Sua poesia trata disso hoje em dia? 
Ferreira - Não, não. Poesia não tem nada a ver com filosofia. Nesse meu livro ["Em Alguma Parte Alguma"] eu digo: "Só o que não se sabe é poesia". Filosofia é uma outra coisa. Um outro modo de inventar e de conhecer a realidade. São formas diferentes de se inventar a vida. Sempre digo que a arte existe porque a vida não basta.


A Cidade - O poeta João Cabral de Mello Neto dizia que não existe esse negócio de inspiração. 
Ferreira - Veja bem, o lado transcendente da coisa, meio místico, sinceramente não existe. Mas evidentemente, ninguém escreve poesia de fato, a não ser tocado por um espanto, por uma descoberta, por um estado psicológico especial. O próprio João Cabral sabia disso.


A Cidade - A Academia Brasileira de Letras nunca lhe interessou? Nunca teve vontade de se tornar um imortal?
Ferreira - Não. A Academia já me fez alguns convites e me considero até lisonjeado, mas não é o meu feitio. Tenho muitos amigos na Academia e tem vários intelectuais de muita qualidade ali dentro. Mas não é o meu temperamento e por isso nunca me candidatei e não pretendo me candidatar.


A Cidade - Parece que "Cem Anos de Solidão", do Gabriel Garcia Márquez, não passou pelo teste da sua segunda leitura. 
Ferreira - (risos) "Cem Anos de Solidão" foi um livro que, quando li pela primeira vez, gostei muito, depois foi uma decepção. Quer dizer, é bem feito, bem escrito e Garcia Márquez é um grande escritor, mas prefiro "Crônica de uma Morte Anunciada", que é mais denso e mais consistente. Existia uma série de recursos narrativos em "Cem Anos de Solidão" que perdeu o encanto.


(In: Jornal A Cidade)

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