quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Poema relativo, de Jorge de Lima

Vem, ó bem-amada.
Junto à minha casa
tem um regato (até quieto o regato).

Não tem pássaros, que pena!
Mas os coqueiros fazem,
quando o vento passa,
um barulho que às vezes parece
bate-bate de asas.

Supõe, ó bem-amada,
se o vento não sopra,
podem vir borboletas
à procura das minhas jarras
onde há flores debruçadas,
tão debruçadas que parecem escutar.

Todos os homens têm seus crentes,
ó bem-amada:
- os que pregam o amor ao próximo
e os que pregam a morte dele.

Mas tudo é pequeno
e ligeiro no mundo, ó amada.
Só o clamor dos desgraçados
é cada vez mais imenso!

Vem, ó bem-amada.
Junto à minha casa
tem um regato até manso.
E os teus passos podem ir devagar
pelos caminhos:
- aqui não há a inquietação
de se atravessar o asfalto.

Vem, ó bem-amada,
porque, como te disse,
se não há pássaros no meu parque,
pode ser, se o vento
não soprar forte,
que venham borboletas.
Tudo é relativo
e incerto no mundo.
Também tuas sobrancelhas
parecem asas abertas.

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